Desde muito jovem entendi que
a cobra era um problema para nós que saíamos descalços para o trabalho. Lembro-me
quando o meu irmão Afonso foi picado por uma jararaca o quanto que o papai teve
que correr até na cidade próxima para conseguir o soro antiofídico e assim
evitar maiores danos a sua integridade física. Além disso, lembro-me das dores
horríveis que ele sentia e o pavor posterior que sentia diante de qualquer
cobra que visse.
Atualmente, entendo que a
cobra é um animal que integra a pirâmide da vida e foi pensada e querida pelo
Criador. É absolutamente claro que ela não é perigosa, a não ser que nós
ameacemos o seu habitat e a sua vida. Ela apenas cumpre a sua função e procura
defender a sua casa quando alguém a ameaça.
Portanto, não estamos tratando de cobras, animais que se alimentam,
sobretudo, de ratos e outros seres vivos.
Quero falar de uma cobra muito
mais perigosa do que a jararaca, o coral e outras. Estou ensaiando uma fala
sobre a nossa língua, que é muito perigosa quando se afasta do seu Criador.
Vejamos um exemplo que está nas primeiras paginas da Sagrada Escritura. O
episódio de Adão e Eva após terrem pecado, ou seja, se afastado de Deus. Adão
usa sua língua, que foi pensada para o louvor a Deus e a edificar os irmãos, agora
é utilizada para culpabilizar a mulher e a Deus, que colocou a mulher ao seu
lado.
Vamos acompanhar o povo de
Israel na travessia do deserto rumo à terra prometida. O percurso é longo e as
dificuldades não são pequenas. Falta água, falta carne e o cansaço aumenta. Na
liderança dessa travessia está Deus e os seus servos, especialmente Moisés.
Diante das dificuldades próprias da vida o povo soltou a língua, ou seja a
cobra, e começou a murmurar e falar mal de Deus e dos seus servos. Esses
pensamentos e falas mordiam o próprio povo e foram se machucando e muitos
morriam com isso. Qual é a solução apontada por Deus? Crucificar a língua
fofoqueira, maldizente, mentirosa e deixar-nos atrair pelas coisas do alto (cf
Nm 21,4-9).
Uma vez que se coloca essa
orientação divina em prática, as fofocas e mentiras cessam, as energias são
canalizadas para alavancar a caminhada e todos podem seguir rumo à terra
prometida, apesar das dificuldades e contratempos, que são próprios da vida
humana. Com isso, cada um entende a sua missão e passa a louvar a Deus e
respeitar os seus servos que conduzem o povo para o Céu.
Queridos leitores! Uma vez que
estamos a caminho, percorramos a Palavra de Deus e cheguemos ao Evangelho de
João (Jo 8,21-30). Nele encontramos Jesus discutindo com os fariseus que estão
longe do Deus do Amor e se agarram as suas leis humanas e as coisas da terra.
Por conta disso, não querem e não conseguem acolher o ensinamento dele, que
vive em comunhão com o Pai. Pelo contrário, soltam a cobra mentirosa e falam
mal de Jesus e dos seus seguidores, além disso, planejam o seu assassinato.
Diante disso, Jesus aponta
para o caminho mais uma vez. Já que eles não querem e não conseguem crucificar
a mentira e o pecado, para viver a fraternidade, num gesto de amor estremado, ele
se apresenta disposto a carregar e a crucificar, na sua pessoa, essa serpente
enganadora e pecaminosa que reivindica espaço dentro de cada um de nós. Por
isso ele afirma: “Quando tiverdes elevado
o Filho do Homem, então sabereis que eu sou, e que nada faço por mim mesmo, mas
apenas faço aquilo que o meu Pai me ensinou. Aquele que me enviou está comigo.
Ele não me deixou sozinho, porque sempre faço aquilo que é do seu agrado” (Jo
8,28-29).
Diante do crucifixo vamos
olhar bem para Ele. Ele crucificou a serpente enganadora de cada um dos seus
irmãos. Portanto, não somos mais escravos da nossa língua maldizente,
fofoqueira e pecaminosa, a não ser que andemos longe de Deus como ocorria com
os fariseus. Uma vez que fazemos experiência da pessoa de Jesus e nos
encantamos com ele seremos capazes de crucificar a nossa língua venenosa, que,
com suas mentiras, consegue matar a alegria da vida familiar e comunitária,
além de envenenar a nós mesmos.
Queridos irmãos! Nesta Semana
Santa, que em breve viveremos, Jesus quer atrair todos nós para o Alto. Ele já
crucificou a cobra mentirosa e enganadora por todos nós. Peçamos a graça de
viver em comunhão com ele e assim podermos crucificar a nossa língua maldizente
para ressuscitar com ele para uma vida nova. Uma vida cheia de amor e respeito
para com Deus e para com os irmãos. Para uma Feliz Páscoa.
Pe. Arlindo Toneta - MI
Pároco da Paróquia N. Sra. da Boa Esperança - Pinhais - PR